Dois parlamentares decidindo o destino de Formosa da Imperatriz


Desde quando éramos Arraial de Couros, somos especiais... Por termos uma localização privilegiada, geralmente os estados discutiam a quem pertenceríamos. Por vezes, pertencemos ao Pernambuco, outras vezes a São Vicente (São Paulo), a Luziânia, a Cavalcante e já fomos alvo de pertencer ao estado de São Francisco, ao estado de Sítio d'Abadia e, inclusive como capital, do estado do Entorno.

Não obstantes, aqui temos dois parlamentares, com duas visões, com dois discursos, cada um mais variado em sua forma de pensar, de agir, de falar, entretanto os dois visionários colocando Formosa da Imperatriz como palco de suas discussões.

Primeiro vou apresentar o Coronel Antônio Cândido da Cruz Machado, que recebeu o título de visconde do Serro Frio (MG) em 16 de maio de 1.888. Foi professor de latim, juiz de paz, promotor e coronel da Guarda Nacional. Politicamente foi vereador, deputado geral (federal), senador e presidente da província de Goyaz, Maranhão e Bahia. 

Em segundo plano, temos o médico baiano dr. Virgílio Clímaco Damásio, que foi professor da faculdade de Medicina da Bahia. Curiosamente, a aparência não deixa enganar, era primo de Ruy Barbosa, de quem ele também foi o médico particular. Político onde a república pulsava em suas veias, foi vice presidente do Partido Republicano da Bahia, partido pelo qual ele foi também governador da Bahia, deputado e senador.

Ambos políticos, visionários para a sua época e que faziam política exatamente no intuito de estabelecer fundamentos para o futuro de nossa época.

Não poderia eu aqui, em minha cognição mental, deixar de fazer a observação de que a gráfica dos Anais da Câmara estava situada na Rua do Hospício... Seria uma elucubração associar a política à uma disfunção mental? Mas qual a explicação da proximidade da tipografia oficial ao hospício? 

Voltemos à história...


A começar por Cruz Machado, na sessão realizada em 17 de agosto de 1.853 ele foi um dos deputados que curiosamente chegou atrasado. Admira-me muito um coronel da Guarda Nacional atrasar, mas a ata não seria mentirosa. Esta foi uma sessão muito longa visto se tratar da criação do estado do Paraná, estado que por sinal tem uma cidade em homenagem a esse político, que é a cidade Cruz Machado (PR).


Na discussão acirrada, o deputado Ribeiro de Andrada, defendendo a não criação do estado do Paraná, com sede na comarca de Curitiba, se desvai em seu discurso dando dados estatísticos de que, na época, o Brasil contava com uma população de 3 milhões de pessoas livres, sendo interpelado pelo sr. Cruz Machado que afirmou ser entre 4 a 5 milhões de população livre. Ribeiro de Andrada conclui o seu discurso declarando: Sei perfeitamente que minhas palavras não podem produzir sensação alguma na casa, porque quando se vem com o propósito feito de fazer passar uma lei a despeito de todas as considerações constantes e permanentes, mas porque se obedece ao impulso das circunstâncias, e às exigências imperiosas do governo, é impossível que quaisquer que sejam as razões que se produzam possam elas demover esse propósito firme, essa intenção formada.

O sr. Cruz Machado fazendo uso da palavra, declara: Sr. presidente, a câmara desculpará minha ousadia em tomar parte nesta discussão em primeiro lugar, havendo-se inscrito na lista dos oradores colegas mais habilitados do que eu. (...) deste modo estou certo que concorrerei para que se faça o contraste entre as observações filhas da minha minguada inteligência e os discursos dos meus colegas, certamente bem luminosos e ricos de todos os dados capazes de esclarecer a consciência da câmara. (...)
A minha opinião em favor da criação da província do Paraná data da época em que tenho assento nesta câmara. (...) Sr. presidente, se o fato da criação de uma nova província, o fato de se estabelecer mais um centro de administração para que tenham maior desenvolvimento os germens (os filhos) que em um território existam em relação ao comércio, à indústria e à civilização, pode ser considerado como uma obra de destruição, eu estou que ninguém terá horror de ser operário de semelhante destruição, porque neste caso destrói-se o que não existe e trata-se de construir a realidade, o futuro, a grandeza. Portanto, em vista destas considerações, eu julgo muito gloriosa a tarefa daquele que sustentar a criação da nova província


Assim, por quase meia hora, o Sr. Cruz Machado segue com inúmeras defesas concernente à criação do estado do Paraná, defendendo inclusive a produção de erva Mate e plantação de trigo na comarca de Curitiba: Eu entendo que por muitos modos o governo pode influir no melhoramento de uma indústria, já oferecendo máquinas, já aperfeiçoando métodos, já dando ao povo a necessária instrução profissional!

Como um ilustre deputado mineiro (e do jeito que qualquer mineiro é em defender suas terras), ele toma o direito de repugnar por completo a discussão do deputado Ribeiro de Andrada, por este dar como exemplo negativo a província de Minas: Sr. presidente, quando nós, deputados mineiros, nos opomos à desmembração de um ou outro município da nossa província, é porque entendemos que nenhuma conveniência resulta aos seus habitantes dessas projetadas anexações (apoiados da deputação mineira), é porque temos mesmo em vista que para o futuro a província de Minas forme diversas província. (...)
Sr. presidente, a deputação mineira também não se opõe à criação da província do rio de S. Francisco; apenas entende que o município de Paracatu, estando tão distante da villa de Urubu (não tenho presentes as informações que foram perfeitamente colhidas, e se acham no relatório do presidente da província apresentado este ano), que o município do Paracatu, estando tão distante do Urubu (creio que 180 léguas), não deve pertencer à nova província, quando dista muito menos do Ouro Preto. Ora, nós entendemos que para o futuro talvez seja preciso criar uma outra província central composta das comarcas do Paraná e Paracatu, e dos municípios de Franca e de Batatais, e outros de São Paulo, e dos municípios da villa Formosa da imperatriz e de Catalão, e outros de Goyaz, tendo a sua sede na cidade de Paracatu. (apoiados da deputação mineira.)
Assim, teremos em Minas ao sul uma província importantícima, ao norte outra, e no centro ainda outra, composta de territórios de Minas, Goyaz e São Paulo. (...)
O nobre deputado fala aqui em progresso, em agitação, em revolução; quem ouve isto há de pensar que sou algum monumento arqueológico, que sou do século passado, inimigo do progresso e representante das antiqualhas, eu filho do século XIX, homem do progresso e da revolução; explicar-me-ei, do progresso meditado, razoável, filho da experiência e da razão, e não do progresso dos saltos, que quebra as molas da máquina e só produz ruínas; da revolução, não dessa que ensanguenta os campos, que destrói as cidades, que cobre as famílias de luto, e esmaga a um tempo a liberdade e a ordem, mas daquela que quer que o silêncio dos bosques e das campinas seja interrompido pelo rumor do trabalho, pelo cântico do operário, pelo rodar do carro do viajante, que a serenidade das águas dos grandes rios não seja somente perturbada pelo triste piar da ave do deserto ou pelo estrépito da fera que atravessa a floresta para em suas margens vir saciar a sede, porém sim pelo bater compassado dos remos dos barcos, pelo girar contínuo das rodas dos vapores carregados por produtos da indústria e do comércio. Portanto, se o nobre deputado não entende o progresso, a revolução de outro modo, para que estará sempre falando-nos em progresso e regresso, como querendo tomar-nos por inimigos das ideias luminosas do século?

Meu nobre sr. Cruz Machado, com todo respeito às mais nobres palavras do senhor, seria viável a criação desse estado? Este sem sombra de dúvidas seria o Estado Central do Brasil e pegaria uma região muito rica de nosso país. Quando questiono sobre essa criação, não falo da questão nobre geometricamente falando, mas sim das questões políticas, visto que iria abranger o cerne do coração do Brasil, o âmago da produtividade... 

Para se ter uma noção desse estado, ele abrangeria Planaltina, Sobradinho, parte da granja do Torto no Distrito Federal; Formosa, Planaltina, Vila Boa, Cabeceiras, talvez Cristalina, Ipameri, Catalão, Campo Alegre, Davinópolis, Ouvidor, Goiandira, Nova Aurora, Corumbaíba em Goiás; Paracatu, Buritis, Unaí, Arinos, Uruana, Bonfinópolis, Dom Bosco, Brasilândia, João Pinheiro, Guarda-Mor, Vazante, Lagoa Grande, Lagamar, Presidente Olegário, Varjão, São Gonçalo do Abaeté e vários municípios do Triângulo Mineiro em Minas Gerais; Batatais, Cajuru, Altinópolis, Santo Antônio da Alegria, Cássia dos Coqueiros, Santa Cruz da Esperança, Franca, Itirapuã, Patrocínio Paulista, São José da Bela Vista, Restinga, Ribeirão Corrente, Cristais Paulista, Jeriquara, Pedregulho e Rifaina em São Paulo. 


Na sessão de 18 de julho de 1.854 foi lido então um ofício da Câmara Municipal de Paracatu, enviando as representações que as câmaras municipais das vilas de Januária, Catalão e Formosa da Imperatriz dirigiram, adotando o pensamento da criação de uma nova província ao sul da de Minas Gerais. 



No dia 19 de julho de 1.854 a Comissão de Estatísticas não emitiu parecer favorável sobre a criação do novo estado, pois faltava as seguintes informações: 1º, qual a população provável do território designado para formar a nova província; 2º, qual a renda geral e provincial do mesmo; 3º, qual a distância em que se acham as cidades e vilas acima mencionadas das capitais das respectivas províncias; e 4º, se é conveniente a criação desta província e se lhe deve dar maior território.



Chega-se então o grande dia: 10 de maio de 1.873. Sob a presidência do sr. Araújo Góes, ao meio dia lá está ansioso o mineiro Cruz Machado. Ele somente não esperava um racha na deputação mineira...


Surge no caminho de Cruz Machado o deputado, com cara de poucos amigos, o médico dr. Martinho Álvares da Silva Campos. Ele que era mineiro nascido em Pitangui MG, foi legislador atuante na câmara dos deputados, tanto como deputado geral (federal), como deputado pelo distrito de Vassouras, foi presidente da província do Rio de Janeiro, Ministro da Fazenda do Brasil, presidente do Conselho de Ministros, senador e conselheiro de Estado.

A guerra então estava formada... Seria ou não criado o Estado de São Francisco? Assim sendo, entra em 1ª discussão o projeto nº 381/1.873 que cria a Província do Rio de São Francisco.



O Sr. MARTINHO CAMPOS já começa o seu discurso com palavras duras: Sr. presidente, quero, desde a 1ª discussão, que conste a minha impugnação e a minha divergência com o ministério a este respeito. Se todos os seus salvatérios são desta ordem, muito mal está o país.
Não compreendo a utilidade da criação destes novos "bourgs pourris" (cidades podres do mercado). Pode ser que estejam conveniadas do governo, mas do país absolutamente não. (...) As províncias pequenas não servem senão para darem o triste exemplo de toda espécie de imoralidades administrativas. Não as censuro, lamento a sua sorte, e censuro as más administrações que tantas vezes lhes cabe. (aqui começa várias discussões e apartes, sendo necessário o sr. presidente chamar atenção de todos). 
Continua então o Sr. Martinho Campos: O que é preciso é uma alteração geral na divisão de todas as províncias de tal maneira que, segundo o meu voto, em vez de aumentar o número das províncias talvez conviesse diminuí-lo, tornando-as, tanto quanto possível, iguais. (nenhum apoio)
(...) Não suponham os nobres deputados que move-me um ciúme provincial, vendo rasgar o seio da minha infeliz província (...) que não quer ser afastada para mais longe do litoral. Mas, seguindo o projeto, o pernicioso e caviloso sistema, esta província infeliz mal continuará a subsistir, dividida com as províncias vizinhas. Formar-se-ão pequenas províncias que não terão outro préstimo senão habilitar o governo a designar os seus representantes com menos contestação do que nas províncias grandes. (...) Que utilidade porvirá de desmembrar essas comarcas para formar uma província desgraçada? (...)
Sr. presidente, essas criações loucas, essas medidas parciais, matando grandes princípios, que urge adotar na administração do Império, não terão outro efeito senão desconsiderar o parlamento e administração, dando asas às malignas interpretações de vistas não desinteressadas. (...)
Não conheço a urgência deste salvatério, vejo que o ministério se interessa por ele porque li com espanto na fala do trono que era isto uma questão de salvação pública. (...)
Voto contra o projeto desde já!



O Sr. Cruz Machado, tomando a palavra refuta o deputado Martinho Campos: O nobre deputado por Minas ao passo que contesta a utilidade da criação da nova província, a envolve como uma necessidade no meio de criações mais numerosas em todo o Império. Sua excelência pois, apenas julga a ideia inoportuna, é o que se conclui de todo o seu discurso! 
Com essa inicial, Cruz Machado faz toda explanação, retomando aos tempos do primeiro reinado de D. Pedro I, até aquela atualidade e assim mostra a história dos habitantes da dita comarca do Rio São Francisco, inicialmente anexada à Bahia, depois a Minas Gerais e a impossibilidade do governo mineiro atender "tão longínquas regiões". Assim ele prossegue sua refutação ao deputado Martinho Campos: A província, de cuja criação se trata, não é um pequeno condado, e menos um bourg pourri, não é um porto franco, não é nem mesmo um território na frase americana; ela tem condições de vida própria, tem extensão maior do que muitos países que tem governos sobre si.
Estende-se de nordeste a sudoeste, compreendendo três comarcas de Pernambuco até as confluências dos rios Urucuia e Magahy, no Rio São Francisco 220 léguas de 2.400 braças, ou 180 léguas de 3.000 braças; suas vertentes laterais distanciam-se tanto, que ocupam em grande parte o espaço de 100 léguas; o Rio São Francisco corre majestoso no centro desta grande região; é perfeitamente navegável até o Juazeiro em toda ela, e ainda acima até Pirapora, por barcos de grande calado; ali demoram 10 comarcas, 20 municípios e 26 freguesias, com uma população não inferior a 240.000 habitantes. (...)
Não é uma província pequena, cujo governo vá apenas servir de passatempo a um homem ilustrado, e que procure o descanso de uma administração sem trabalho; exigirá, ao contrário, muito trabalho, muito desenvolvimento da parte de seu administrador. 

Incontestável orador, Cruz Machado continua fazendo um apanhado censitário a começar da Bahia, passando por diversas regiões, chegando até a região norte e a criação da província do Amazonas, tudo isso em face de obscurecer toda a argumentação de Martinho Campos. Quase no final do discurso, Cruz Machado bate de frente: O nobre deputado, meu amigo e colega por Minas, deseja antes diminuir do que aumentar o número das províncias, e disse que prestaria seu voto para isto.
É possível que nosso país tão extenso, que se calcula em mais de 700 léguas das fronteiras do sul às do Oyapock, com uma costa sobre o Atlântico de mais de 1.000 léguas, com uma superfície em léguas quadradas correspondente a de toda a Europa, com uma população disseminada de mais de 10.000.000 de habitantes, seja dividido em menos de vinte províncias? Penso que não.

Sr. MARTINHO CAMPOS: Eu falei hipoteticamente: quero que as províncias sejam iguais, pouco mais ou menos, entre si e nas suas representações.

Sr. CRUZ MACHADO: Não posso admitir esse sistema de equilíbrio; porque a natureza não formou regiões por uma medida, não produz populações a cálculo, e em país nenhum se estabelecerão centros administrativos em atenção a outros motivos que não fossem atender às necessidades de cada região, e promover o bem estar de suas populações! (numerosos apoiados)

Cruz Machado agora começa fazer uma explanação de criação de províncias por todo o mundo, em especial nos Estados Unidos e França, mas passando também pelo "Indostão", Grão Mogol, Thibet, Ásia e, de volta ao Brasil, continua sua refutação ao deputado Martinho Campos: Sinto muito não poder incutir no ânimo do nobre deputado minhas convicções sinceras, e que datam de longo tempo, e recordo-lhe que quando foi votada a lei dos círculos de campanário eu estava ausente (...) e venero, que aquela lei traria em resultado não haver representantes dos grandes e confessáveis interesses provinciais e, permita-se-me dizê-lo, acabando com o negócio de grosso trato e em conta comum, estabelecia o negócio a retalho e em conta própria. (...)
Ponderou o nobre deputado que não temos ainda os necessários dados estatísticos, (...) exibirei o cálculo da população da nova província (e) reconhecerá que não é simples presunção, que fiz um estudo consciencioso.


Aqui então acontece dois casos irradiantes: primeiro Cruz Machado passa um verdadeiro dado censitário de muitas cidades e passamos a perceber que o Estado de São Francisco já não é mais o mesmo que dantes ele propunha. Não temos mais Paracatu como capital, e sim Juazeiro. Não temos mais Formosa da Imperatriz e o novo estado é composto pelas comarcas de Cabrobó, Ouricuri, Boa Vista, Juazeiro, Xique-Xique, São Francisco da Barra, Campo Largo, Monte Alto, Urubu e Itapirassaba. 


Cruz Machado prossegue seu discurso por longo tempo, finalizando assim: Anuncio, pois, ao nobre deputado por Minas que trabalho para tornar uma realidade o seu "desideratum" (desejado) e o de todos, uma melhor divisão das províncias do império. Meus trabalhos serão, sem dúvida, incompletos, submetidos ao exame da câmara, à sua ilustração e critério, receberão o aperfeiçoamento de que precisarem ou mesmo serão escusados, do que não me resultará o menor desar, porque em todo o caso terei cumprido o meu dever, e ficar-me-á a consciência de que fiz por meu país o bem que pude!

Sr. PINTO DE CAMPOS: Falou otimamente, e tanto que o vou felicitar pelas explicações tão exatas que ofereceu à câmara!

Sr. ESCRAGNOLLE TAUNAY: Da parte da província de Goyaz receba meus agradecimentos!

Sr. EUFÁSIO CORRÊA: E os meus da parte da do Paraná! 

Grande número de deputados vai cumprimentar o orador, entretanto algo aconteceu durante os discursos, vários deputados abandonaram a sessão e, quando foram votar, não havia número legal de deputados para proceder a votação.
Esse projeto não foi adiante, sendo aprovado do deputado Cruz Machado, apenas a criação do estado do Paraná.


Agora, vamos analisar a atuação do deputado dr. Virgílio Damásio em que conta o futuro da nossa cidade de Formosa da Imperatriz.


Quase quarenta anos depois que Formosa da Imperatriz foi solicitada para participar do Estado de São Francisco onde a capital era a cidade de Paracatu MG, retomam as discussões na Câmara Federal concernente à mudança da Capital da República. Aqui eu volto a dizer sobre a mudança da capital e afirmo que O PROJETO NÃO FOI DE JUSCELINO KUBITSCHEK. Juscelino foi somente o presidente que concretizou e executou "em partes" tudo o que foi decidido desde tempos remotos. Uma das coisas que não foi respeitada, foi o nome da cidade que não se chamaria Brasília, e sim Tiradentes.


Em 15 de dezembro de 1.890, no calor da discussão da Primeira Constituição da República, o Sr. Virgílio Damásio tomando a palavra, começa na defesa de um decreto que concedia 5.000:000$000 (cinco mil contos de réis) como "meio de subsistência" para os antigos funcionários do governo. Sendo duramente retrucado pelo Sr. Elyseu Martins que, em tonalidade alterada, diz: Não é matéria constitucional! Em seguida, o sr. Virgílio Damásio, mesmo tentando justificar a matéria, mas tendo muitos apartes, ele prossegue: Deixando, pois, esta matéria, que poderá ser colocada no lugar que for julgado mais conveniente; não podendo alongar-me na tribuna, visto como disponho apenas de uma hora, passo a outra ordem de considerações. 
O artigo 2º da Constituição consigna uma ideia que não é nova e que se refere à mudança da capital. Esta questão já foi tratada muito bem por alguns colegas nossos em uma das sessões passadas. Desde, pois, que ela acha-se lembrada no artigo 2º da Constituição, eu, senhores, tive o ensejo de apresentar à consideração da comissão dos 21 a seguinte emenda (lê):

<<Cada uma das antigas Províncias formará um Estado, e o antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando, provisoriamente, a ser a Capital da União.
§ 1º - Fica porém, desde já resolvida a mudança da capital, e na próxima legislatura ordinária o Congresso decretará onde deve estabelecer-se a capital, que chamar-se-á cidade Tiradentes.
§ 2º - Escolhido para este fim o território, mediante o consenso do estado ou dos estados de que houver de desmembrar-se, passará o Distrito Federal, de per si, a constituir um estado.>>

Tratando-se da mudança da capital, cogitei em escolher um nome, como consta da emenda que acabo de ler ao Congresso: assim como o nome do Bolivar foi dado Bolívia, por causa dos relevantes serviços prestados á Pátria, por esse cidadão; assim como a capital da grande república americana tomou o nome de Washington, do mesmo modo nós que tivemos Tiradentes, não é natural que escolhamos o seu nome para a Capital da República Brasileira? É o nome do protomártir da República, do apóstolo da liberdade que entregou a vida pela Pátria. 
Mas eu neste momento não discuto um nome, que terá de ser resolvido em tempo pelo Congresso; o que discuto agora é a conveniência, e conveniência urgente da mudança da capital. (...)
Em uma cidade populosa, onde avulta a escória social* constituída por massas nas quais, infelizmente, a instrução não penetrou ainda, nem a mínima educação cívica; onde se encontram muitos, falemos a verdade, que, inteiramente fora da comunhão do povo laborioso e honesto, vivem entre a ociosidade e os manejos ou expedientes pouco confessáveis; esta grande massa de homens é uma arma, uma alavanca poderosíssima em mãos de agitadores... (...)
Somos todos plebeus, e declaro que não considero que aqui haja alguém que não seja plebeu, mas também que não seja honesto.
Pois bem, é da plebe desonesta (eu a qualifiquei e defini bem), é daqueles que vivem de expedientes inconfessáveis e manejos menos decentes que eu falei. (Há outro longo aparte do Sr. Vinhaes que interrompe o orador). (...)

De volta o Sr. Virgílio Damásio: Senhores, uma palavra apenas ao nobre colega que fez-me o obséquio de interromper-me, e cuja atenção peço para explicar o meu pensamento.
Não quero de modo nenhum dizer que aquele que tem meio de vida, isto é, que o operário pertence à escória social*; mas entendo que aquele que não trabalha, que não é operário, está abaixo de toda classificação, e aquele que está abaixo de toda classificação é a lia social sem dúvida nenhuma! (muitos apoiados, muito bem) (...)
É convicção minha, apesar de meus cabelos brancos, apesar de mais de meio século de existência que deve chamar-me para o passado, considero de máxima importância o futuro, a questão operária e quanto a mim a república é uma fase de transição na evolução dos povos. (...)
Vejamos, porém, outras vantagens da mudança da capital da República. Elas são óbvias.
O local escolhido para a nova capital será certamente mais centra.
Suponhamos por um momento que fosse assentada em território do estado de Goyaz, (como mais de uma vez tem-se dito), na villa Formosa da Imperatriz, por exemplo, ponto que é proximamente equidistante para o norte e sul do Pará e do Rio Grande do Sul, e um pouco mais arredado para leste, distando apenas do Atlântico 160 léguas, ao passo que pouco mais do que isto dista ainda Cuiabá, e uma 250 e tantas da fronteira da Bolívia.
Tomemos, pois esta hipótese. Pois bem, em primeiro lugar facilitar-se-hão as comunicações para o centro e a disseminação do progresso, por isso que, acompanhando este a ida da capital para essas paragens, a corrente, cujo centro hoje é aqui a Capital Federal, caminhará para lá, e portanto derramar-se-ão com muito mais facilidade, com muito mais rapidez, as conquistas da civilização em torno da nova capital.
Além disto, grande vantagem higiênica: eterno chavão, com que se amedronta em toda Europa a emigração, chamando-a para as paragens do Prata e fazendo com que ela se arrede do Brasil, é a existência das febres perniciosas e sobretudo da febre amarela no nosso litoral. Pois bem, ainda pelo lado da questão higiênica que para mim é principal, a mudança da capital para Goyaz desvaneceria esse fantasma, que mais fantasma é, do que realidade, mas que na Europa culta impede quanto é possível a emigração para o Brasil ou a desvia para os estados do Prata. (...)
Mas além das vantagens higiênicas, há incontestáveis vantagens estratégicas.
Sem falar já no melhoramento que traz a colocação da capital no centro, ou da vantagem estratégica de tirar a capital da beira mar, teremos que naquele belo ponto (...) a mais linda das Mesopotâmias, onde para o norte o tocantins e o Araguaia começam vias de boa navegação e para o sul, pelo Paranaíba e depois passando pela foz do Rio Grande e do Tietê vai-se até o Paraná, nesse ponto poderemos com facilidade acudir às nossas fronteiras para defendê-las de cada um dos nossos inimigos (e nós sabemos quais são os nossos inimigos), ficaremos mais próximos, mais 150 léguas do que estamos atualmente de Cuiabá e, portanto, quado os nossos inimigos fizerem menção de nos agredir, nós não teremos necessidade de superar os obstáculos que pelo lado do Prata, ilha de Martim Garcia, etc., se nos anteponham, porque poderemos ir feri-los em pleno coração por terra e com facilidade.
Sr. ELYSEU MARTINS - É uma injustiça que faz à América Republicana, ella não tem necessidade disso!
Sr. VIRGÍLIO DAMÁSIO - Si vis pacem, para bellum! (se quer paz, prepare-se para a guerra); Não quero que haja guerra absolutamente, mas quero que estejamos preparados! (...)
Mas deixemos isto de parte. É pois convenientíssima a mudança da sede da capital!

*lia social (que está no texto) significa escória social

Virgílio Damásio mostra as grandes vantagens de instalar a capital aqui em Formosa da Imperatriz! Na verdade foi instalada em maior parte nas nossas fazendas: Bananal, Torto, Planaltina, Arrependidos, entre tantas outras.

Notoriamente acabamos perdendo parte do nosso território, mas estamos no entorno, na região de desenvolvimento, ao lado da Capital da República. Somos os guardas fiéis dessa capital, principalmente agora com a instituição do Forte de Santa Bárbara. 

Torçamos por mais políticos visionários e por grandes pensadores!!!





Comentários

Postar um comentário